Professor cria ferramenta para auxiliar cegos no aprendizado da disciplina. Instrumento ganhou plataforma virtual e recomendação do MEC

Para os que enxergam dentro de padrões considerados normais, as dificuldades encontradas para um cego entender conceitos da Matemática talvez não sejam perceptíveis. Os conteúdos dessa disciplina concentram gráficos, equações, funções, conceitos de trigonometria, geometria, entre outros, que dificilmente são compreendidos sem desenhos feitos pelo professor no quadro. Foi o desafio de ter um aluno deficiente visual em sala de aula e ensinar Matemática que levou o professor Rubens Ferronato, de Cascavel, a desenvolver uma ferramenta pedagógica que está revolucionando o ensino da Matemática para deficientes visuais.

Batizado de Multiplano, foi produzido artesanalmente pelo professor Ferronato para o uso e capacitação de 200 professores no Paraná, rendeu quatro prêmios na área de educação, recebeu recomendação do Ministério da Educação (MEC) para a aplicação em toda a rede de ensino brasileira e começou a ser comercializado em todo o país, também na versão digital. O instrumento pode ser usado tanto para alunos das séries iniciais do ensino fundamental quanto para estudantes do ensino superior. A invenção foi apresentada na semana passada, em Brasília, na II Conferência Internacional de Tecnologia Social, que contou com a presença de representantes de nove países.

A dificuldade em conseguir ensinar conteúdos da disciplina de Cálculo Diferencial para um aluno deficiente visual numa sala do curso de Ciência da Computação, da União Pan-Americana de Ensino (Unipan) levou Ferronato a prometer que iria trazer um novo material para que pudesse explicar melhor. “Os métodos convencionais não surtiam efeito diante das complicações gráficas propostas pela disciplina”, lembra.

O primeiro multiplano produzido na época para o aluno Ivã José de Pádua, hoje com 29 anos, era feito de uma placa de eucatex, elásticos e rebites que permitiam montar um plano cartesiano. Assim, o estudante começou a entender como funcionavam os eixos “X” e “Y”. Além disso, trouxe a possibilidade de Ivã produzir seus próprios gráficos. “Não existiam materiais como aquele. Os outros tinham de montar os gráficos junto com a pessoa cega, com cola plástica, por exemplo”, lembra o ex-aluno.

Ivã acabou desistindo do curso de Ciências da Computação por vontade própria. Mas fez parte de um grupo de alunos cegos que contribuiu para a melhoria do desenvolvimento do Multiplano, que na opinião do professor Ferronato também pode ser aplicado no ensino de Matemática de alunos que enxergam. “O que mais impressionou foi a inclusão. Antes o Ivã era um aluno isolado. Depois passou a fazer o papel de monitor da sala”, diz.

Um ano após a descoberta do Multiplano, foram iniciadas as pesquisas para o desenvolvimento de um software similar à ferramenta pedagógica. Hoje o software, chamado de Multiplano Virtual, já está em fase de comercialização por uma empresa curitibana. A diferença do Multiplano concreto são as percepções auditivas. Os dois métodos podem ser usados de maneira complementar. “Primeiro o aluno deficiente usa o Multiplano Concreto para compreensão e memorização por meio da percepção tátil e a partir disso está apto para usar a ferramenta virtual, aplicada no computador com percepção auditiva, para aperfeiçoar seus conhecimentos”, explica Ferronato.

Material traz mudança na carreira

Ivã José de Pádua
Um maior contato com a Matemática possibilitado por meio da ferramenta descoberta pelo professor Rubens Ferronato foi fundamental para que dois estudantes cegos alterassem seus objetivos profissionais. O aluno que impulsionou a criação do Multiplano, Ivã José de Pádua, 29 anos, descobriu que a Matemática, e por consequência, a Ciência da Computação não era sua praia. Mudou para o curso de Ciências Sociais, que já foi concluído, e atua como servidor público da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e como professor de Sociologia para estudantes de ensino médio de escolas estaduais.

Pádua trabalha 60 horas por semana, lecionando somente para alunos que enxergam. “Não é fácil, mas conto com a ajuda deles [dos alunos], que vão buscar os livros, fazem chamadas. É importante ter um professor cego, perceber que a pessoa com deficiência tem capacidade e qualificação”, diz.

Lucas Falcão Radaelli
Já Lucas Falcão Radaelli, 17 anos, mora há dois meses em Curitiba e é o primeiro aluno cego do curso de Ciências da Computação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), justamente porque teve contato com o professor Rubens e o Multiplano. “Meu pai ficou sabendo que ele estava desenvolvendo a ferramenta quando eu estava na 8ª série. Passei a ter aulas particulares na casa do professor”, lembra. O material, que chegou a ser apelidado de Lego por seus colegas de classe, ajudou Radaelli a perceber melhor sua paixão por Matemática. “Ia fazer Direito mais por influência de outros deficientes visuais, porque dificilmente eles se aventuram na área de Exatas”, diz.

Fonte: Gazeta do Povo

Uma luz para a Matemática

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